Eu sei que o Amor enche o Universo todo
E se prende dos poetas à guitarra
Como o Pólipo que se agarra ao lodo
E a ostra que às rochas eternais se agarra.

O amor reduz-nos a uniformes placas,
Uniformiza todos os anelos
E une organizações fortes e fracas
Nos mesmos laços e nos mesmos elos.

Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma,
E, desvairado, sem prever o abismo
Fiz desse amor um ídolo de Roma,
Eleito Deus no altar do fetichismo!

Tudo sacrifiquei para adorá-lo
– Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços,
Tenho vontade de estrangulá-lo
E reduzi-lo muitas vezes a ossos!

Todo o ser que no mundo turbilhona
Veja do Amor, à luz das minhas frases,
Uma montanha que se desmorona,
Estremecendo em suas próprias bases.

E em qualquer parte do Universo veja -
Sombrias ruínas de um solar egrégio
E o desmoronamento duma Igreja
Despedaçada pelo sacrilégio.

A Natureza veste extraordinárias
Roupagens de ouro. Além, nas oliveiras,
Aves de várias cores e de várias
Espécies, cantam óperas inteiras.

A compreensão da minha niilidade
Aumenta à proporção que aumenta o dia
E pouco a pouco o encéfalo me invade
Numa clareza de fotografia.

Na área em que estou, ao matinal assomo,
Passa um rebanho de carneiros dóceis…
E o Sol arranca as minhas crenças como
Boucher de Perthes arrancava fósseis.

Observo então a condição tristonha
Da Humanidade, ébria de fumo e de ópio,
Tal qual ela é, e não tal qual a sonha
E a vê o Sábio pelo telescópio.

O Sábio vê em proporções enormes
Aquilo que é composto de pequenas
Partes, construindo corpos quase informes
E aquilo que é uma parcela apenas.

Da observação nos elevados montes
Prefiro, à nitidez real dos aspectos,
Ver mastodontes onde há mastodontes
E insetos ver onde há somente insetos.

A inanidade da Ilusão demonstro
Mas, demonstrando-a, sinto um violento
Rancor da Vida - este maldito monstro
Que no meu próprio estômago alimento!

Nisto a alma o oficio da Paixão entoa
E vai cair, heroicamente, na água
Da misteriosíssima lagoa
Que a língua humana denomina Mágoa!

Dos meus sonhos o exército desfila
E, à frente dele, eu vou cantando a nênia
Do Amor que eu tive e que se fez argila,
Como Tirteu na guerra de Messênia!

Transponho assim toda a sombria escarpa
Sinistro como quem medita um crime…
E quando a Dor me dói, tanjo minha harpa
E a harpa saudosa a minha Dor exprime!

Estes versos de amor que agora findo
Foram sentidos na solidão de uma horta,
À sombra dum verdoengo tamarindo
Que representa a minha infância morta!